A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (lei nº9.394, 20/dez/96), dentre uma série de novidades, trouxe uma nova visão da própria Escola. Antes “engessada”, presa no emaranhado de leis e portarias que, mais do que orientar, exigia uma “mesmice”, a LDB reconhece características distintas, a partir das características de sua comunidade escolar. Não pretendo discutir aqui os Sistemas Municipais e Estaduais de Ensino, com regras específicas, mas a “Instituição Privada de Ensino”, na nomenclatura da própria LDB.
Por respeito aos cidadãos incluiu-se a possibilidade de que cada Escola discutisse e estabelecesse o currículo mais apropriado. Além de uma “base nacional comum”, abriu-se espaço para haver “em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela” (artigo 26, LDB). Os “Parâmetros Curriculares Nacionais”, vieram a seguir: as regras estavam postas, sabia-se o que poderia ser feito, como deveria ser feito.
Mas… nem tudo funciona como o previsto. A realidade, por vezes, fala mais alto, e a necessidade de cumprir um currículo pré-determinado pelos exames vestibulares fez com que as escolas tivessem pouco tempo disponível para a parte diversificada: a quantidade de livros a ler e conhecer, a enormindade de conteúdos necessários de cada matéria de vestibular fez com que uma parte da liberdade conquistada pela LDB fosse sufocada. Neste item, o encaminhamento de questões como o ENEM ajudou a reduzir o peso do vestibular, embora ainda estejamos engatinhando na solução.
Cabe lembrar também que os educadores têm parte de culpa nesta história. Não soubemos exercer a liberdade. Presos nos problemas cotidianos, nem mesmo tentamos usufruir da liberdade conquistada. Longe de inovar na parte diversificada, ficávamos a procura de experiências bem sucedidas dos outros, ou da "receita pronta". Com raríssimas exceções, a liberdade foi sufocada também pelo próprio liberto!
No entanto, a situação tende a piorar! Não só os exames vestibulares conspiram contra a liberdade curricular. A tendência regulatória de nosso País, a vontade de criarmos leis para tudo está na base de um novo e real perigo: a quantidade e diversidade de leis que visam obrigar as escolas a incluir temas ou matérias em seu currículo. Pode-se afirmar que há, sempre, uma boa intenção. Mas, podemos afirmar também, que há algum desconhecimento do espírito que permeia a LDB - para não repetir que de boas intenções o inferno está cheio...
Não nego haver aspectos positivos em se acrescentar ao currículo matérias como música, filosofia, psicologia, sociologia, língua espanhola e outras que já chegaram em forma de lei. Quanto aos temas transversais, incluir cultura negra, cultura indígena, história regional, noções de cidadania, educação ambiental, leitura da Bíblia, prevenção às drogas, … Todos são muito válidos e importantes. E todos os exemplos acima já são lei ou procuram fazer com que seja em breve.
Vários dos itens acima já são trabalhados pela grande maioria dos estabelecimentos de ensino. Muitos outros temas, graças aos dados regionais e da clientela de cada escola, estão sendo realizados. Mas, obrigar que todas desenvolvam todas as atividades, certamente fará com que a educação brasileira sofra uma regressão: voltaremos ao engessamento, à mesmice, à falta de condições de desenvolver um currículo adaptado à sua proposta pedagógica e à sua comunidade escolar. Afinal, o tempo é limitado, a “base comum” vai sendo ampliada e, desta forma, a “parte diversificada” deixa de existir.
Pena que poucas pessoas estejam percebendo este perigo. Pena que pouca discussão haja. Nós, educadores, estamos engolindo aos poucos os ingredientes que, se isolados são interessantes, juntos poderão deixar sequelas indesejáveis. Os diversos lobbies (ou alguém duvida que eles existam também nestes casos?) estão sufocando a liberdade.
É preciso resgatar a coragem de pensar! É preciso gritar para que haja espaço para a liberdade! É preciso disutir...
Em tempo: este artigo é uma "releitura" de outro que fiz em 2003. Passam-se os anos e a situação só piora...